domingo, 4 de janeiro de 2009

Enunciado e correcção do teste do 9ºE (Dezembro)

I

Texto A
Agora eram dele, só dele, as três chaves do cofre!... E Rui, alargando os braços, respirou deliciosamente. Mal a noite descesse, com o ouro metido nos alforges, guiando a fila das éguas pelos trilhos da serra, subiria a Medranhos e enterraria na adega o seu tesouro! E quando ali na fonte, e além rente aos silvados, só restassem, sob as neves de Dezembro, alguns ossos sem nome, ele seria o magnífico senhor de Medranhos, e na capela nova do solar renascido mandaria dizer missas ricas pelos seus dois irmãos mortos… Mortos como? Como devem morrer os de Medranhos – a pelejar contra o Turco!
Abriu as três fechaduras, apanhou um punhado de dobrões, que fez retinir sobre as pedras. Que puro ouro, de fino quilate! E era o seu ouro! Depois foi examinar a capacidade dos alforges – e encontrando as duas garrafas de vinho, e um gordo capão assado, sentiu uma imensa fome. Desde a véspera só comera uma lasca de peixe seco. E há quanto tempo não provava capão.
Com que delícia se sentou na relva, com as pernas abertas, e entre elas a ave loura, que rescendia, e o vinho cor de âmbar! Ah! Guanes fora bom mordomo – nem esquecera azeitonas. Mas porque trouxera ele, para três convivas, só duas garrafas? Rasgou uma asa do capão: devorava a grandes dentadas. A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa. Para além, na vereda, um bando de corvos grasnava. As éguas fartas dormitavam, com o focinho pendido. E a fonte cantava, lavando o morto.
Rui ergueu à luz a garrafa de vinho. Com aquela cor velha e quente, não teria custado menos de três maravedis. E pondo o gargalo à boca, bebeu em sorvos lentos, que lhe faziam ondular o pescoço peludo. Oh vinho bendito que tão prontamente aquecia o sangue! Atirou a garrafa vazia – destapou outra. Mas como era avisado, não bebeu, porque a jornada para a serra, com o tesouro, requeria firmeza e acerto, Estendido sobre o cotovelo, descansando, pensava em Medranhos coberto de telha nova, nas altas chamas da lareira, por noites de neve, e o seu leito com brocados, onde teria sempre mulheres.
De repente, tomado de uma ansiedade, teve pressa de carregar os alforges. Já entre os troncos a sombra se adensava. Puxou uma das éguas para junto do cofre, ergueu a tampa, tomou um punhado de ouro… Mas oscilou, largando os dobrões, que retilintaram no chão, e levou as duas mãos aflitas ao peito. Que é, D. Rui? Raios de Deus! Era um lume vivo, que se lhe acendera dentro, lhe subia até às goelas. Já rasgara o gibão, atirava passos incertos, e, a arquejar, com a língua pendente, limpava as grossas bagas de um suor horrendo que o regelava como neve. Oh Virgem Mãe! Outra vez o lume, mais forte, que alastrava, o roía! Gritou:
- Socorro! Alguém! Guanes! Rostabal!
Eça de Queirós, “ O Tesouro” in Contos
Vocabulário
pelejar – batalhar; lutar.
capão - galo castrado.
rescendir – exalar um cheiro agradável.
âmbar – resina fóssil de cor amarela.
maravedi – antiga moeda portuguesa e castelhana.
sorvo – gole; trago.
brocado – tecido de seda com motivos em relevo.


1. Relê o parágrafo inicial. Partindo da informação nele contida, apresenta dois adjectivos que possam caracterizar Rui psicologicamente. Justifica.

2. Localiza a acção no tempo e no espaço. Justifica, recorrendo ao texto.

3. Retira do texto uma marca de tempo histórico. Explica-a.

4. Desde o início do conto que o narrador refere que Rui é “avisado”. Explica por que motivo essa característica é citada, novamente, neste excerto.

5. Explica, do ponto de vista simbólico, as referências aos corvos, no parágrafo quatro.

6. A parte III do conto (a que pertence o excerto do teste) permite revelar claramente a personalidade de Guanes. Porquê?

7. Relê os parágrafos três e quatro. Transcreve exemplos do uso de uma metáfora e de uma sinestesia, explicando o seu valor expressivo.

8. Como sabes, as interjeições são uma marca de oralidade. Explica o seu uso no texto, dentro do discurso indirecto, nos excertos assinalados a negrito.

9. Explica a expressividade do advérbio de modo no exemplo: “E Rui, alargando os braços, respirou deliciosamente.”


10. Escolhe a opção que melhor exprime a ideia das expressões retiradas do texto:

A. “E quando ali na fonte, e além rente aos silvados, só restassem, sob as neves de Dezembro, alguns ossos sem nome…”

a) Em Dezembro, os corpos de Rui e de Rostabal já estariam sepultados;
b) Os corpos de Rostabal e de Guanes já estariam irreconhecíveis, quando chegasse o Inverno;
c) Os corpos de Guanes e de Rostabal ainda estariam intactos, quando chegasse o Inverno;
d) Em Dezembro, a neve faria gelar os corpos dos dois irmãos.

B. “…e na capela nova do solar renascido mandaria dizer missas ricas pelos seus dois irmãos mortos…”

a) Construiria um palácio, com uma bela capela onde rezaria pelos irmãos;
b) Construiria um palácio, com uma bela capela onde rezaria missas pelos irmãos;
c) Reconstruiria os Paços de Medranhos e mandaria celebrar missas pelas almas dos irmãos;
d) Reconstruiria os Paços de Medranhos e celebraria missas pelas almas dos irmãos.


11.
Texto B

Proposição
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram,
Novo reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
- Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Luís de Camões, Os Lusíadas

11.1. Lê atentamente o texto acima transcrito.
A definição de proposição nos dicionários é a seguinte:

Proposição, s. f. acto ou efeito de propor; expressão do juízo; enunciado verbal susceptível de ser declarado verdadeiro ou não; oração gramatical; primeira parte de um discurso ou de um poema onde se expõe o assunto que se vai tratar.
Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora

Com o objectivo de redigires um texto cuidado, atenta nas sugestões que seguidamente te são dadas, sob a forma de perguntas:

a) Qual dos significados apresentados te parece mais ajustado ao Texto B?
b) Por que razão as epopeias clássicas se iniciam com uma “proposição”?
c) Que se pretende afinal, com uma “proposição”?

d) No caso de Os Lusíadas, Camões terá respeitado esse “costume” clássico. Em que medida o conseguiu? Justifica a tua opinião.

Extensão: de 80 a 100 palavras


II

1. Divide e classifica as orações nas frases seguintes:

a) “Apanhou um punhado de dobrões, que fez retinir sobre as pedras”;
b) “limpava as grossas bagas de um suor horrendo que o regelava como neve”;
c) “Mal a noite descesse, subiria a Medranhos”.

2. Passa para o discurso indirecto a seguinte fala de Rostabal:
“– Não, mil raios! Guanes é sôfrego... Quando o ano passado, se te lembras, ganhou os cem ducados ao espadeiro de Fresno, nem me quis emprestar três para eu comprar um gibão novo!”

3. Identifica as funções sintácticas desempenhadas pelas expressões sublinhadas:
a) “E há quanto tempo não provava capão.”
b) “A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa.”
c) “Que é, D. Rui?”
d) “Atirou a garrafa vazia...”



III
Escolhe um dos temas seguintes:

Tema A
Há quem considere que a sociedade em que vivemos é marcada por grandes contrastes: por um lado, aqueles que só adquirem bens dos mais caros, que vivem em habitações de luxo e que frequentam os melhores restaurantes; por outro, os que lutam diariamente por comida, um tecto e outras condições básicas.

Redige um texto cuidado, apresentando a tua opinião sobre os contrastes acima descritos.

Tema B
Imagina que és o Guanes.

Redige um texto em que contes os pensamentos da personagem, enquanto fazia a viagem para Retortilho.


(extensão: de 180 a 280 palavras)

Aurora Gomes
Dez/08

CORRECÇÃO
I
Texto A
1. Rui, psicologicamente, demonstra ser insensível, hipócrita, imoral, mau, vaidoso, maquiavélico (ou outros adjectivos de valor equivalente).

2. A acção decorre na mata de Roquelanes, ao fim da tarde: “...quando ali na fonte, e além rente aos silvados..”; “A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa. Para além, na vereda, um bando de corvos grasnava.”; “Já entre os troncos a sombra se adensava.“

3. Os exemplos seguintes são marcas de tempo histórico porque situam a acção no contexto da História Universal, neste caso, no primeiro exemplo, na época da Reconquista Cristã da Península porque se alude à guerra contra os Muçulmanos e, no segundo, na Idade Média, dado que se refere uma moeda medieval: “Como devem morrer os de Medranhos – a pelejar contra o Turco!”; “(...) não teria custado menos de três maravedis.”

4. No excerto em estudo, refere-se novamente que Rui é “avisado”, neste caso porque ele demonstra lucidez e inteligência ao beber somente uma das garrafas de vinho, por reconhecer que precisava de estar sóbrio para carregar o tesouro para casa em segurança.

5. As referências aos corvos remetem para a ideia de morte iminente, tal como aconteceu, por exemplo, antes da morte de Guanes. Ou seja, elas dizem-nos que Rui vai morrer apesar de parecer ter a situação controlada.

6. Na parte final da obra, a personalidade falsa, imoral e violenta de Guanes é revelada porque o leitor descobre como desde o início, sob a capa de uma aparente descontracção (já que ele partiu e regressou a cantar), ele planeou friamente a morte dou seus irmãos.

7. Exemplos de metáforas: “A tarde descia, pensativa e doce.”; “E a fonte cantava, lavando o morto.”- a primeira indica que a tarde estava serena e calma; a segunda, refere que o barulho da água da fonte a cair era harmonioso e que o corpo de Rostabal estava meio submerso no tanque da fonte.
A sinestesia, está presente na expressão seguinte para evidenciar a qualidade do vinho, que era bom e caro: ”Com aquela cor velha e quente...”.

8. As interjeições são usadas no âmbito do discurso indirecto livre, que como se sabe, pretende reproduzir, dentro do discurso indirecto, as falas das personagens.

9. O advérbio de modo, no exemplo em análise, pretende realçar o estado de absoluta felicidade de Rui por pensar ter finalmente atingido os seus objectivos – ficar com o tesouro só para si.

10. A – b); B – c);

Texto B

11.
A proposição é uma das partes obrigatórias da estrutura interna de uma epopeia que tem a função de apresentar o objectivo da obra.
N’Os Lusíadas, Camões respeita essa regra, desvendando o seu objectivo – elogiar, em verso, os feitos gloriosos do povo português. Para isso, ele apresenta o assunto e os heróis a tratar: os feitos dos navegadores e guerreiros, as façanhas dos reis e os heróis individuais que, pelas suas acções, se tornaram imortais.
Na proposição apresenta-se, assim, o valor do “peito ilustre Lusitano” que fará esquecer todos os heróis da Antiguidade. (92 palavras)

II
1.
a) Oração subordinante: “Apanhou um punhado de dobrões,(...)”;
Oração subordinada relativa explicativa: ”(...) que fez retinir sobre as pedras”;

b) Oração subordinante: “limpava as grossas bagas de um suor horrendo(...)”;
Oração subordinada relativa restritiva: “(...) que o regelava como neve”;

c) Oração subordinante: ”(...) subiria a Medranhos”.
Oração subordinada temporal: “Mal a noite descesse (...)”.

2. Rostabal exclamou, praguejando, que Guanes era sôfrego e lembrou Rui que, quando no ano anterior ganhara (OU tinha ganhado) cem ducados ao espadeiro de Fresno, nem lhe quisera (OU tinha querido) emprestar três para ele comprar um gibão novo.

3.
a) A expressão sublinhada desempenha a função sintáctica de complemento directo;
b) A expressão sublinhada desempenha a função sintáctica de aposto;
c) A expressão sublinhada desempenha a função sintáctica de vocativo;
d) A expressão sublinhada desempenha a função sintáctica de atributo.



III


Tema A
Obedecer ao tema e ao tipo de texto propostos, apresentando um texto com introdução, desenvolvimento e conclusão, demarcando claramente os parágrafos, usando a primeira pessoa do singular, vocabulário adequado ao tema e expressões que denotem opinião (exs.: “na minha opinião...”; “penso que...”; “acho que...”; “considero que...”; “a meu ver...”; “do meu ponto de vista...”), apresentando clareza e correcção sintáctica e ortográfica e respeitando o limite de palavras.


Tema B
Obedecer ao tema (respeitando as informações do texto original e não criando situações incoerentes) e ao tipo de texto propostos, apresentando um texto com introdução, desenvolvimento e conclusão, respeitando as características do texto narrativo, demarcando claramente os parágrafos, usando a primeira pessoa do singular, vocabulário adequado ao tema, apresentando clareza e correcção sintáctica e ortográfica e respeitando o limite de palavras.

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